Niemeyer em Israel: encontro criativo entre o gênio revolucionário e o jovem Estado

É completamente compreensível que você se sinta surpreso de como e porque uma israelense lhe traga artigo sobre Oscar Niemeyer. Afinal, ele foi o arquiteto mais proeminente do Brasil, uma referência mundial de arquitetura e uma das figuras mais influentes na evolução da arquitetura do século XX. Suas criações estão presentes em todo o Brasil e ao redor do mundo. Então, o que posso acrescentar sobre ele que você ainda não conheça?

Acredito que muitos não conheçam o “capítulo israelense” na vida profissional de Niemeyer, e é exatamente sobre isso que quero falar aqui.

O “capítulo israelense” começou em 1964, quatro anos depois que Brasília, a nova e inovadora capital do Brasil, foi inaugurada, quando Oscar Niemeyer já era conhecido e mundialmente famoso.

No início dos anos 1960, Israel era um Estado jovem, que acabava de sair de severa e dolorosa recessão e austeridade, e começou a desenvolver sua sociedade e economia. Apesar de contar com 2,5 milhões de habitantes (hoje são quase 9 milhões) e PIB de apenas 3,4 bilhões de dólares (hoje este número é 100 vezes maior), a visão de sua liderança era de longo alcance, mesmo que os recursos fossem limitados. Esses foram os anos em que Israel concluiu importantes e significativos projetos e investimentos de magnitude nacional, como a rede nacional de aquaviários e a primeira etapa do Porto marítimo de Ashdod, entre outros. Ao mesmo tempo, o governo começou a tomar medidas para conter o déficit na balança de pagamentos que levou a economia, em meados da década de 60, a uma segunda recessão e a altos níveis de desemprego, significativamente mais graves do que na fase anterior.

Nascido na Alemanha em 1916, Yekutiel (Xiel) Federmann foi um ativista sionista judeu que fez aliá (imigrou) para Israel em 1940. “Meu pai era um homem de visão”, diz Michael “Mikey” Federmann, proprietário do conglomerado israelense Federmann Enterprises Ltda., criado por seus já falecidos pai e tio. No início dos anos 60, ele possuía 50% das terras do bairro Nordia, no centro de Tel Aviv (onde atualmente está localizado o Dizengoff Center, o primeiro shopping de Israel), mas, à época, uma área pobre e subdesenvolvida. Seu objetivo, então, era desenvolver esta área em um nível e qualidade ainda desconhecidos no país, e estava procurando um arquiteto de renome mundial para assumir essa tarefa e outros projetos imobiliários. Foi assim que ele finalmente identificou e escolheu Oscar Niemeyer e convidou-o para Israel.

Tanto quanto se sabe, Niemeyer admirava David Ben-Gurion, o então primeiro-ministro do país, e apreciava a visão socialista que caracterizava o país na época. A oportunidade oferecida por Federmann o fascinou. Niemeyer, que estava em uma visita de trabalho em Paris, aceitou o convite.

Niemeyer chegou em Israel com sua esposa, seu desenhista de modelos e mais um assistente, e foi hospedado no Dan Hotel Tel-Aviv, o primeiro da cadeia de hotéis da família Federmann. “Pelo que me lembro,” diz Mikey Federmann, “ele tinha medo de voar, e preferiu vir para Israel de barco”. Ele começou a desenvolver o conceito do projeto Nordia que, de acordo com seu estilo conhecido, foi baseado em 2-3 andares comerciais e torres residenciais de alto padrão. “Eu estava fazendo meu serviço militar naquela época”, diz Federmann, “então eu não estava diretamente envolvido com a visita, mas como Niemeyer falava português e francês e não falava inglês, e eu sou fluente em francês, me tornei o ‘tradutor’. Isso me permitiu criar uma boa ‘química’ e até mesmo um relacionamento amigável com ele”.

A visita ao país, que deveria ser curta e focada, durou muito mais tempo do que o esperado. Enquanto ele estava em Israel, irrompeu no Brasil o golpe de 1964. Niemeyer, um partidário do ex-presidente Juscelino Kubitscheck e membro do Partido Comunista, se tornou persona-non-grata do novo regime militar. Frustrado por não poder voltar ao Brasil, permaneceu em seu apartamento no Hotel Dan em Tel Aviv por seis meses e limitou seus contatos apenas para missões profissionais. A longa estadia é detalhada em seu livro de memórias, publicado em 1998.

“A presença prolongada de Niemeyer em Israel criou uma oportunidade para o desenvolvimento de projetos arquitetônicos adicionais”, diz Mikei. “Meu pai, que sempre foi muito próximo da liderança do país, sugeriu aproveitar a boa vontade e proficiência do distinto convidado e examinar o planejamento de projetos que eram importantes para o país”. E enfatizou que “Niemeyer ficou feliz em colaborar e rapidamente ‘mergulhou’ nessas novas missões, trabalhando em conjunto com vários arquitetos israelenses”.

Ele projetou um considerável número de projetos. Os mais proeminentes foram o complexo Nordia e a praça “Kikar Hamedina”, em Tel Aviv; a Universidade de Haifa (a convite de Aba Hushi, então prefeito da cidade); “Ir Hanegev”, um conceito para uma nova cidade no Negev (a região sul de Israel); o Centro Panorama em Haifa; uma nova asa para o Hotel King David, em Jerusalém; e alguns prédios de apartamentos e moradias em Cesaréia e Herzliya.

Niemeyer ficou impressionado com o empreendimento socialista sionista da década de 1960 e gostou muito das paisagens do deserto de Israel. Ele visitou Ben Gurion, que morava no Kibbutz Sde Boker, no Negev, e ficou fascinado com a visão do novo país. No entanto, foi extremamente crítico em relação à arquitetura e ao desenho urbano em Israel. Nas viagens que fez, se interessou particularmente em visitar as novas cidades que estavam sendo construídas no Negev: os novos bairros de Beer-Sheva, a cidade de Yeruham, Kiryat Gat, no coração da região agrícola de Lachish (onde eu mesma nasci e cresci) e Eilat – a cidade mais ao sul de Israel, na costa do Mar Vermelho. O arquiteto era totalmente contrário ao conceito dos urbanistas israelenses e suas cidades projetadas horizontalmente (em vez de verticalmente, como ele achava que deveria ser) e com grandes espaços entre os prédios. Isso era, a seu ver, um desperdício de terra, que também criou problemas de infraestrutura, estacionamento e serviços municipais.

Na sua opinião, a jovem nação era hesitante demais em relação à condução de seu planejamento arquitetônico. O debate era entre o modernismo e o vernacularismo, entre o urbano e o rural, entre o vertical e o horizontal. Sua crítica ao planejamento urbano de Israel pode ser bem sentida em sua proposta de uma nova cidade no Negev chamada “Ir Hanegev” feita a convite de Yosef Almogi, então ministro da Habitação. A cidade ideal foi projetada para uma população estimada em 50.000 habitantes, em condições severas do deserto, e foi baseada em 40 arranha-céus de 30 a 40 andares cada. Niemeyer descreveu a cidade, em artigo publicado na revista brasileira Módulo, como “um novo tipo de kibutz metropolitano que cresceu, expandiu e atualizou sem perder suas qualidades humanas de entusiasmo, solidariedade e idealismo”. Ele próprio recomendou a seus críticos que o seu plano fosse arquivado e examinado de novo depois de um tempo. O projeto nunca foi implementado.

A recessão econômica entre 1965 e 1967, que afetou severamente a indústria israelense de construção, juntamente com os pesados procedimentos de aprovação que vigoravam na época, deixou a maioria das ideias de Niemeyer no papel. A Guerra dos Seis Dias, que eclodiu em junho de 1967, transformou Israel em muitos aspectos. Por um lado, trouxe grande crescimento econômico, por outro, afastou mais ainda grande parte dos projetos de Niemeyer. Os efeitos de sua visão arquitetônica puderam ser identificados apenas anos mais tarde, a partir da década de 1990.

Com o rápido crescimento da população do país (após a chegada de cerca de um milhão de imigrantes da antiga União Soviética, entre 1989 e 2001), havia a necessidade de formular um conceito atualizado para o futuro desenvolvimento do espaço urbano e ambiental de Israel. O novo Plano Master – conhecido como “Israel 2020”, projetado em 1997 pelo arquiteto Adam Mazor e sua equipe –, sugeriu que, com uma população que excederá 10 milhões de pessoas, a única maneira de preservar a paisagem e abrir espaços, seria através do desenvolvimento de um centro densamente povoado, evitando o estabelecimento de novas aldeias e cidades, e utilizando melhor as cidades já existentes, através da construção de edifícios altos. Estes princípios seguem, em muitos sentidos, o conceito principal de Niemeyer, já introduzido em 1964.

Como mencionado acima, a maioria dos projetos que Niemeyer desenhou em Israel nunca foram construídos. Os poucos que acabaram se efetivando, como a Universidade de Haifa, que lembra o Congresso de Brasília, e a Praça Kikar Hamedina, um dos mais prestigiados complexos residenciais de Israel, foram construídos anos depois, por arquitetos israelenses, com grandes mudanças do planejamento original.

Mas a “escrita da mão” arquitetônica de Niemeyer pode ser identificada em vários outros projetos onde ele esteve originalmente envolvido: Dizengoff Center (para o qual ele foi originalmente convidado), construído em meados da década de 1970, e o Complexo Panorama, localizado no alto das montanhas do Carmel, em Haifa, que inclui hotel, comércio e residência, e pertence à família Federmann, os anfitriões de Niemeyer. Sim, ele certamente deixou sua marca.

O trabalho do arquiteto brasileiro em Israel foi tema de uma pesquisa histórica feita pelo arquiteto Zvi Elhayani, para seu mestrado na Faculdade de Arquitetura do Technion.

O arquiteto israelense David Reznik Z”L, que nasceu e cresceu no Rio de Janeiro e imigrou para Israel em 1949, é considerado até hoje o fiel sucessor do legado de Niemeyer em Israel. Reznik foi discípulo de Niemeyer e trabalhou a seu lado por quatro anos. Ele dizia que, durante esse período, aprendeu os princípios modernistas da arquitetura de Niemeyer, a quem descreve como “revolucionário e genial”.

No final da estadia de Oscar Niemeyer em Israel e como homenagem ao renomado arquiteto, os projetos foram exibidos em uma exposição especial no Hotel King David, em Jerusalém, no Teatro Haifa e no Dan Hotel Tel Aviv, sua residência temporária em Israel. (veja, abaixo, o cartaz da exposição)

A longa permanência de Niemeyer em Israel o deixou com impressões favoráveis. “Uma terra maravilhosa cheia de contradições e beleza”, ele escreveu em suas memórias. “A vida dos jovens em Tel Aviv é feliz e sem prejuízo (…) vida noturna e cultura da vida nas ruas, nos cafés a céu aberto.” Mas sua principal impressão era do deserto: “Eilat (…) é um lugar bonito, o mais colorido e puro que já conheci”, escreveu ele.

Quando falamos sobre as muitas facetas dos laços entre Israel e o Brasil, não há dúvida de que esses seis meses constituem um capítulo interessante e importante que deixou sua marca e que ainda pode ser notado.

Um agradecimento especial ao Sr. Michael “Mikey” Federmann, proprietário da Federmann Enterprises Ltd, por sua colaboração frutífera.

Fontes (lista parcial):

http://readingmachine.co.il/home/books/1111572081/1112535026
https://www.eretz.com/wordpress/blog/2013/06/17/the-death-of-a-prophet/
https://www.haaretz.com/israel-news/culture/.premium-when-oscar-niemeyer-got-stranded-in-israel-1.5271539
https://www.haaretz.co.il/gallery/architecture/1.1880836

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