Meus encontros com Amós Oz

Rio de Janeiro, 28 de dezembro. Recebo uma mensagem de whatsApp de uma amiga jornalista: 

– Você tem o telefone do Amós? Ai, ai que cabeça, não, desculpa você tem um contato do editor, estou nervosa…?

– Por que? Tenho dos dois. O que aconteceu? 

– Ele morreu, Re. 

– Que?

Era final de 2018 e eu estava sozinha no Rio de Janeiro, caminhando, tentando digerir aquele ano que teimava não terminar. Fiquei uns 5 minutos meio atônita , sem saber direito se chorava, se contava para alguém, se ia dar um mergulho no mar. Sou jornalista e trabalhei alguns anos como assessora de imprensa na editora Companhia das Letras, onde acompanhei algumas vezes Amós Oz no Brasil. Aquele senhor bonito,  que falava manso, com um inglês perfeito mas com sotaque forte e que sorria com seus olhos azuis. Ele falecera aos 89 anos de câncer, parece que já era esperado. Vim saber depois. Fazia tempo que eu não me comunicava com ele.  A última vez que nos vimos, fora em 2017 na Fundação Ema Klabin, em que ele daria uma entrevista para o programa do Pedro Bial. Amós estava dando uma série de palestras também, do programa Fronteiras do Pensamento sobre sua experiência e luta incansável para a paz e também para lançar: Como curar um fanático (Companhia das Letras), livro de 4 artigos, em que fala sobre ideias que podem enfraquecer o fanatismo: empatia, humor, arte, diálogo. 

Nosso encontro foi breve na instituição, ouvi a entrevista que ele deu ao Bial e pude conversar rapidamente com aquele homem grandioso, que não esquecia de nada que já tinha contado a ele. Perguntava detalhes de minha vida (que até eu mesma tinha esquecido), perguntava de minha família, que projetos eu estava envolvida e principalmente se eu estava feliz. Marcamos de nos encontrar mais tarde para um chá. 

Hoje quando penso nele, lembro dos seus conselhos para se ter uma paz interna, o que seria fundamental para qualquer coisa que poderíamos fazer na vida. Lembro de cada detalhe que me dizia sobre sua infância nos kibutz, sobre como conheceu Nilly (sua esposa a quem amava incondicionalmente). Tento não esquecer a insistência e o modo que ele me ajudava a enxergar a vida. Lembro do bosque que ele me dizia que tinha em sua casa, e o modo que ele costumava fazer sua rotina de escrita. 

“Querida Renata, acordo as 5 da manhã e todo mundo dorme, é a melhor hora para escrever. Saio antes, no entanto, para meu passeio matinal no bosque, está sempre um pouco frio, eu observo como o dia está começando: é um encontro comigo mesmo. Os barulhos são raros, e neles eu trabalho minha imaginação. O que será que é? Quem emite este som a esta hora e por que? São coisas simples Renata, mas que me ajudam na inspiração. Volto para casa e estou pronto para escrever” 

Esta receita de vida, que ele repetia sempre que me encontrava, me deixou o legado do que é o olhar gentil sobre o outro. Entendo que observar e tentar imaginar sempre o que acontece e por que acontece com o outro é a carência que falta nos nossos dias.  É  a empatia. 

Tudo isso veio a minha mente naquele dia 28 de dezembro, com lágrimas por termos perdido um ser humano como este, tão importante e tão necessário. 

Mas logo me lembrei da primeira vez que estive com ele e com Nilly, em 2007, naquela mesma cidade, Rio de Janeiro. Lembro-me perfeitamente de pensar: o que faríamos com aquele casal de senhores nesta cidade? Foi só estar com eles pela primeira vez para entender que seria mais fácil do que imaginava. Nilly muito animada queria sair para dançar, queria saber da minha vida, queria ver a paisagem. Fomos à uma casa de samba tradicional no Rio, fomos tomar água de coco em um mirante. Fomos ao show de Marisa Monte que os recebeu no camarim depois. Durante o show, me lembro perfeitamente da alegria daquele casal, Nilly sempre dançava e Amós ficava tímido sentado. Dizia: “Ela sempre foi animada”. Era bonito de se ver. Daquele 2007, guardei um chale que Nilly me deu para dar sorte, guardei muitas histórias dos kibutz, da família deles, da infância e sobretudo do amor. 

Amós Oz sim tinha ido embora, mas ficamos com uma obra incrível deste autor. Todas as lembranças são positivas e todos os ensinamentos me transformam em ma mulher privilegiada de estar com ele tantas vezes. De poder ser abraçada fortemente. Ele se preocupava comigo, ele se preocupava com os outros, ele se preocupava com o mundo. O legado é a empatia. 

E eu sou eternamente grata por aquele senhor, que se despediu de mim em 2017 em uma tarde de chá e conversas sobre minha vida. Nós choramos e sorrimos.  Sim, era sempre mais importante falar dos outros do que dele. A curiosidade e a delicadeza de um mágico. Por isso brincava muito sobre ele ser o mágico de Oz. Não apenas eu, claro. 

Obrigada, Amós. Por tudo e por sempre. Todos os seus livros seguem comigo, sua voz também e a sua alegria de viver. 

Um ano sem você, “my dear Amós”. Desejo que esteja em um bosque bonito e que possa sempre encontrar aquela paz.

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