Um Balanço Pós-Congresso Sionista: em Defesa do Princípio Democrático

Às duas horas da manhã desta sexta (horário do Brasil) se iniciará a sessão oficial de encerramento do 38º Congresso Sionista Mundial, o primeiro, e esperamos também último em que as delegações participaram desde uma plataforma virtual. Contudo, antes de comentar sobre o que aconteceu neste evento, queria retomar um outro que ocorreu há poucos dias. Em uma conversa promovida pelo IBI e pela CIP no dia 18 entre o autor Micah Goodman e jovens brasileiros (e mediada com excelência por Guilherme Casarões e Ana Buchmann), o autor chamou atenção para duas questões que acho importantes retomar aqui: primeiramente, assinala que vivemos um contexto político mundial de extrema polarização. Estarmos polarizados nos provoca a entender e identificar nossos oponentes políticos como inimigos, vilões em nossas narrativas, obstáculos para alcançarmos nossos objetivos, gente com quem dialogar é por natureza algo improdutivo, desnecessário ou ainda efetivamente negativo. Nas palavras dele, tendemos a perceber o outro grupo como a pior representação possível que temos deles, e a nós mesmos como a melhor representação possível que fazemos de nós. E a fazer uma política de medo e de estereótipos. 

Nos dias que antecediam a primeira sessão deste Congresso Sionista, enquanto me preparava ansiosamente para minha primeira participação em um, acompanhamos estarrecidos a movimentação política do bloco da direita-ortodoxos, que com sua marginal maioria de 55% dos delegados tentava impor um “acordo” em que manteriam baixo sua ala cerca de 80% dos cargos dos escritórios e instituições do Movimento Sionista. Esta postura, como ontem comentado pelo IBI, vai de encontro à tradição de muitas décadas na Organização Sionista Mundial de distribuir com equidade e paridade os cargos de acordo com o tamanho das bancadas compostas por cada partido e linha ideológica. 

Sob pressão das organizações sionistas não partidárias e da opinião pública, e com muito esforço dos representantes de centro e de esquerda, podemos dizer que, depois de três dias de intensa atuação e de muitos debates, temos como resultado deste congresso um acordo efetivamente construído com todas as partes, que respeita suas bancadas e o apoio que os diversos partidos políticos e movimentos religiosos receberam para representar seus países e instituições no congresso. Também lutamos para que passasse pelas comissões uma resolução que exige dos delegados no congresso o respeito às diferentes tradições e correntes religiosas judias, sendo inaceitável ao longo das atividades realizadas ataques e ofensas contra partidos ou pessoas por conta de suas identidades religiosas ou culturais. Avançamos também, graças ainda a uma forte atuação do Meretz, e com apoio de outros partidos da esquerda e do centro sionista, no reconhecimento do judaísmo cultural humanista e secular, agora oficialmente integrado ao complexo executivo da Organização Sionista Mundial, com um escritório específico encarregado de prestar suporte e atenção às congregações, instituições e sujeitos que assim se identificam. Vale salientar ainda que, ao menos no contexto do Congresso Sionista, há uma tradição democrática que vigora nas pautas da esquerda e dos partidos de centro, e um compromisso fundamental destes com as noções de representatividade e pluralismo. Mais que isso, estes partidos, que conseguiram formar maioria ao longo das últimas décadas, nunca tomaram uma posição semelhante ao que a direita e os ortodoxos tomaram nesta edição do congresso. 

O segundo ponto que gostaria de retomar da fala do autor diz respeito ao sentido da ação política. Para Micah (e aqui tomo licença para adaptar e condensar um pouco parte de sua argumentação), política é um trabalho pragmático de encontro entre diferentes posições, para que se construam compromissos comuns orientados a resolver os inúmeros problemas de um mundo imperfeito como o nosso. Esperar, por exemplo, alcançar uma resposta definitiva para resolver a questão do antissemitismo em uma comissão de debate via zoom, com menos de duas horas de duração, é um projeto impossível. 

Neste sentido, acredito que, assim como eu, os demais representantes que participaram das discussões políticas deste congresso podem dizer de suas vitórias e derrotas neste evento. Enquanto judeu progressista, de esquerda e membro da relativamente pequena comunidade judaica de Recife, me preocupa o surgimento de um partido organizado nos Estados Unidos com base eleitoral em um grupo de ortodoxos tradicionalmente anti-sionistas, e ver que seu partido conseguiu nos acordos colocar um representante seu na direção do Departamento para o Avanço da Periferia e Envolvimento da Diáspora. Enquanto um “ainda jovem” ativista comunitário e ex-membro de um movimento juvenil, me anima o compromisso com um maior investimento nas atividades destes movimentos mundo afora, com a decisão de garantir maior representatividade juvenil nas próximas edições do congresso e, especialmente, com a perspectiva de criação de um Congresso Sionista Juvenil.

No final, alcançamos um acordo entre todas as partes. Se resumíssemos a experiência a esta frase ela diria muita coisa e quase nada. Ela não revela o desespero e apreensão que coletivamente sentimos no primeiro dia de discussões, os impasses e reviravoltas incontáveis que atravessamos ao longo destes dias, os atropelos e atrapalhos que talvez jamais saberemos se foram intencionais ou apenas erros de percurso no processo do que está ainda sendo um Congresso Sionista único e histórico, por tantas razões que aqui é também difícil enumerar. Mas ela também aponta o sentido fundamental que orientou e mobilizou centenas de pessoas de todo o mundo, durante estes três dias, a alinhar seus fusos horários a uma transmissão israelense, a debater e acompanhar discussões em uma língua que nem todos dominamos bem ou na dependência de traduções simultâneas, a ler e reler incontáveis vezes regulamentos e projetos de resolução dos mais diversos e a participar de infindáveis videoconferências atrás da menor referência que fosse sobre o que se passava nos encontros e reuniões que ocorriam em Israel entre lideranças de partido. Fizemos isso porque acreditamos que, embora imperfeito, o processo político é uma ferramenta indispensável na luta cotidiana pela resolução de problemas concretos. Pode parecer pouca coisa, mas no acúmulo de cada ponto da pauta, e com o passar dos meses e anos, as mudanças podem ser gigantes e profundas.

Devido ao contexto da pandemia e a transição para essa estrutura virtual, se decidiu realizar mais um congresso ano que vem, quebrando uma tradição que antecede a Declaração de Independência do Estado de Israel de realizá-lo apenas a cada cinco. Com isso, abrem-se mais oportunidades para que, ao longo de 2020 e 2021, possamos nos engajar para construir neste próximo congresso uma atuação ainda mais pragmática e comprometida com uma política que entende que sua melhor medida é a melhora das condições concretas de vida das pessoas, em um congresso que se reconhece enquanto fórum legítimo para discussão e construção das políticas nacionais judaicas. Levando em conta os argumentos de Micah, convido todas e todos a quem tocam as temáticas aqui expostas e tantas outras que aqui não pude explorar a refletir sobre os problemas mais importantes que devemos enfrentar enquanto um movimento político multifacetado. E que sejamos capazes de, a partir de nosso engajamento e atuação, construir democraticamente as melhores soluções possíveis, por mais imperfeitas que sejam.

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