Sobre Christchurch, intolerância e discursos de ódio

Na última sexta-feira (15/03), acordamos com mais uma notícia trágica: na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, um homem armado entrou em duas mesquitas durante a reza semanal mais importante para a fé islâmica, assassinando cruelmente 50 pessoas e ferindo gravemente outras duas dezenas. Um dos principais suspeitos do crime, já detido pela polícia neozelandesa, chegou a publicar, antes dos ataques, um manifesto em que se declara abertamente “fascista” e prega o ódio a imigrantes, chamados por ele de “invasores”. Ironicamente, segundo a polícia local o próprio atirador não seria neozelandês, mas australiano. 

A intolerância à diferença parece estar aumentando em nossos dias, e minorias têm batalhado mais duramente para garantir sua plena cidadania. Em diversos países, a figura do imigrante, frequentemente de origem muçulmana, tem sido alvo de grupos extremistas e até mesmo de cidadãos moderados, que culpam a imigração por problemas que vão desde uma suposta decadência moral até o desemprego. No Brasil, não temos hoje levas imigratórias tão expressivas, mas a aversão ao diferente não precisa do estrangeiro para se manifestar por aqui, inclusive de forma violenta. Entre brasileiros, vemos há séculos medo e ódio sendo fomentados contra quem difere nós pela cor da pele, gênero, orientação sexual, local de moradia, e até mesmo por opinião política.

Recentemente, temos visto a proliferação e naturalização de discursos de ódio no Brasil e no mundo. Preconceitos antes velados acabaram desempenhando um papel importante na ascensão de políticos que fazem da intolerância sua plataforma eleitoral. Episódios como o massacre de Christchurch deixam claras as consequências nefastas desses discursos. O horror à diferença pode até se vender como vítima inocente, mas produz horrores bastante tangíveis.

Em todos os povos e culturas, o modo como se produz a identidade dos grupos sociais é pautado fortemente pelo encontro com o “outro”, com aqueles que são diferentes daquilo que somos ou pretendemos ser. Ser brasileiro significa também não ser argentino; ser Flamengo significa, entre outras coisas, não ser Fluminense. Distinções como essas são até certo ponto inescapáveis, parte do que nos faz humanos, seres classificadores e reflexivos. Mas existe uma diferença grande entre a positivação da diversidade, como fazem, aliás, inúmeros movimentos de luta identitária, e a tentativa justamente de nivelar a pluralidade de forma agressiva.

O antigo provérbio latino “nada que é humano me é estranho” já foi usado para expressar uma compreensão quase condescendente de atos de crueldade como os que testemunhamos esta semana e, tristemente, tantas outras vezes na história da humanidade. Nestes tempos em que noções como direitos humanos parecem estar saindo de moda, devemos lembrar que também é demasiado humana nossa capacidade de sermos compassivos, acolhedores e tolerantes, valorizando nossas diferenças em vez de nos apoiarmos nelas para eliminar, simbólica ou fisicamente, o “outro”. 

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